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17 de junho de 2016
Era uma vez uma garotinha linda e esperta chamada Ana. Com apenas nove anos de idade, se tornara uma talentosa escritora de contos, mas o seu grande sonho era mesmo ser pediatra. Para isso, estudou tanto, tanto, que acabou se transformando na melhor médica de crianças do mundo! É mais ou menos assim, com essa singeleza, que começam algumas das histórias com final feliz escritas por Ana Júlia Simonato Lelis, 9, paciente do Hospital Amaral Carvalho (HAC), o Hospital do Câncer do Brasil, localizado em Jaú, no interior de São Paulo.Alfabetizada aos três anos de idade, Ana Júlia acumula centenas de livros na biblioteca particular de sua casa, em Lins, interior de São Paulo, e já tem cerca de 50 contos escritos. “Eu gosto muito de ler e criar histórias. Escrevo uma por semana. Todas surgem da minha própria imaginação; não copio nenhuma de outro livro”, garante a menina com um sorriso estampado no rosto. Sua intenção é publicar suas histórias um dia.No momento, entretanto, Ana Júlia não tem nenhuma nova história engatilhada. É que ela está em tratamento contra leucemia (tipo de câncer no sangue) e, além de não se sentir muito disposta, seu foco literário está agora em pesquisas sobre a doença. “Ela quer saber tudo sobre leucemia, os sintomas, os tratamentos. Cada vez que uma das médicas que a atende, a doutora Cláudia, passa para vê-la, acaba sendo bombardeada pela Ana Júlia com inúmeras perguntas”, conta a professora Cássia Margarete Simonato, 46, que acompanha a filha no isolamento da pediatria do Amaral Carvalho, onde ficam internadas as crianças com imunidade baixa.

ConsoloHá três meses, Ana Júlia foi diagnosticada com Leucemia Mielóide Aguda (LMA), que começa na medula óssea – onde o sangue é produzido - e flui pelo corpo. Imediatamente após a descoberta, foi encaminhada ao HAC, em Jaú, que é referência no País em tratamento contra cânceres e transplante de medula óssea. O início do tratamento foi bem complicado. Ana Júlia, segundo a mãe, chegou ao hospital com 70% do organismo tomado pelo câncer. “Ela não conseguia comer, estava perdendo peso e passou a não andar mais. Eu olhava para minha filha naquelas condições e não conseguia parar de chorar”, lembrou a professora Cássia Margarete, caindo novamente em lágrimas.

Ao ouvir a mãe chorando, Ana Júlia, de seu leito, disparou: “Ah, não chora, nenê”, consolou. E acrescentou: “Ela é assim mesmo. Não liga, não”, justificou a reação da mãe para a reportagem. Para cuidar da filha, a professora abandonou todos os seus compromissos profissionais. “Pedi afastamento definitivo das escolas onde eu lecionava e decidi me dedicar exclusivamente a ela. Ana Júlia é minha única filha viva. Perdi três antes dela. Por conta dos problemas que tive nas outras gestações, acabei retirando as trompas. Era quase impossível engravidar de novo. Mas Deus é tão poderoso que trouxe Ana Júlia para minha vida. Foi um milagre. Ela é tudo pra mim”, disse a professora Margarete.Durante a entrevista, no quarto 2 do isolamento, a enfermeira Selminha, assim chamada carinhosamente por todos os pacientes, entrava e saía a todo momento para cumprir os procedimentos prescritos para Ana Júlia. “Oi, minha gata. Vamos tomar um remedinho para essa sua dor de barriga?”, perguntava. “A Selminha é bem legal. Ela responde a todas as minhas dúvidas. Aliás, eu gosto de todas as enfermeiras daqui. Elas cuidam muito bem de mim”, elogiou a pequena paciente.

Remédicos do Riso

Não só Selminha foi recebida com alegria naquele quarto. Os Remédicos do Riso, grupo de voluntários do Amaral Carvalho, que realiza visitas semanais às unidades ambulatoriais e de internação, proporcionando momentos de descontração, surpreenderam Ana Júlia com músicas, piadas e muitas brincadeiras. “Eles sempre vêm aqui. E mesmo quando estou com sono eu gosto de receber os palhaços. Eles são engraçados e fazem tudo para deixar a gente animada. E fazem isso de graça”, ressaltou.Ana Júlia contou que na primeira fase do tratamento permaneceu 32 dias internada e recebeu alta para descansar em casa por cinco dias. “Eu não aguentava mais de saudade da minha casa, de sentir aquele cheirinho, arrumar minhas coisas, visitar meu pai… Sou fã dele”, confessou. Bastante debilitada, precisou do apoio da mãe durante o tempo em que ficou em casa. “Tive que ajudá-la em todos os momentos. Ela não tinha força nem mesmo para subir na cama. Conversamos muito nesse período e a Ana Júlia passou a entender que sua recuperação dependia muito dela mesma. Foi aí que ela começou a se esforçar para se alimentar melhor. Chegou a ganhar dois quilos naquela semana”, comemorou a mãe. Ana Júlia voltou ao hospital para enfrentar mais uma etapa do tratamento. “Ela estava bem mais animada, colaborando bastante, e não demorou muito para retornamos para casa”, contou Margarete. No último dia 29 de maio, porém, uma recaída fez Ana Júlia voltar para o Amaral Carvalho. “Ela apresentava febre e seus exames estavam alterados novamente”, lamentou a mãe. Agora, Ana Júlia terá mais uma batalha pela frente, mas Margarete e toda a família estão confiantes na cura da pequena escritora. “Os médicos do Amaral são ótimos, o hospital é excelente. Eu creio na vitória dela. Ela é muito guerreira, feliz e tem uma vontade enorme de viver”, disse a mãe.“Não vejo a hora de ficar boa, ir para casa e voltar a escrever minhas histórias. Mas vou contar a verdade: o que mais aperta meu coração é a saudade que sinto da Mel, minha cachorra. A primeira coisa que vou fazer quando estiver curada é brincar com ela”, afirmou. Durante o tratamento, a paciente foi orientada a não ter contato com animais, e a cachorrinha está temporariamente na casa de parentes.Menina falante, inteligente, curiosa e sonhadora, Ana Júlia acredita que logo ficará boa por estar cumprindo todas as orientações médicas. “A gente sabe que, pra continuar aqui na terra, precisa tomar remédios, comer bem e fazer o que os médicos mandam”, resumiu.Naquele momento, a enfermeira Selminha entrou no quarto e começou a preparar Ana Júlia para receber uma bolsa de plaquetas (células do sangue). Era hora de despedir-se da reportagem.Já sonolenta, Ana Júlia acenou, olhou para a mãe e disse: “Mamãe, pegue, por favor, meu livro sobre plaquetas que está no armário. Preciso me informar sobre o assunto”.Virou para o lado e adormeceu…

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